quinta-feira, 21 de abril de 2011

Artigo: Para OMC, diferenças entre países na Rodada Doha são ‘insuperáveis’

Documento de mais de 600 pginas escancara crise vivida pela organizao e mostra ruptura entre os EUA e emergentes


21 de abril de 2011 | 10h 12

Jamil Chade, correspondente de O Estado de S.Paulo

GENEBRA - Dez anos de negociaes, milhares de horas de reunies, milhes de dlares gastos para promover reunies e viagens de diplomatas, discursos e, finalmente, uma constatao alarmante: hoje, as diferenas em muitas das posio entre os pases na Rodada Doha da Organizao Mundial do Comrcio (OMC) so "insuperveis" e o processo est "seriamente ameaado". Pior: ningum sabe o que fazer diante da situao que escancara a crise no sistema multilateral.

Para experiente diplomatas em Genebra, a crise um reflexo da transio a um novo equilbrio de poder que se estabelece no mundo, com os pases emergentes passando a assumir um novo papel. Em Doha, h dez anos, essa realidade ainda no estava clara. Hoje, a China o maior exportador do planeta, a ndia potencialmente o maior mercado e o Brasil o terceiro maior exportador agrcola do mundo.Nesta quinta-feira, 21, o diretor da entidade, Pascal Lamy, publicou o que seria um rascunho do acordo comercial mais ambicioso da histria, com mais de 600 pginas. Mas no lugar de apontar um potencial entendimento, o documento revelou a profunda fratura existente entre Estados Unidos, de um lado, e Brasil, China e ndia de outro. Isso mesmo diante das repetidas declaraes do G-20 pedindo a concluso da rodada em 2011.
Americanos e europeus querem que os trs emergentes deixem de ser tratados como pases pobres e faam concesses comerciais, abrindo seus mercados. Lamy, em seu texto, indica que Washington e Bruxelas consideram a atual negociao como "a ltima chance de equiparar" as tarifas de importao cobradas pelos emergentes e os ricos. S no caso do Brasil, isso significaria levar a zero mais de 3 mil tarifas.
De outro, China, Brasil e ndia se recusam a aceitar as exigncias impostas principalmente pelos Estados Unidos, alegando que ainda tem desafios de desenvolvimento importantes e no podem ser tratados da mesma forma. "Acredito que estamos sendo confrontados com uma clara fratura poltica ", disse Lamy. " A partir do que eu escutei nas minhas consultas, essa fratura no supervel hoje ", completou.
A Rodada foi lanada em 2001 e deveria ter sido concluda em 2005.Agora, a tentativa era de que um pr-acordo baseado nos textos apresentados nesta quinta fosse fechado para que a Rodada pudesse ser concluda at o final do ano. Mas Lamy indicou a diversos pases que no sabe mais o que fazer e pede para que todos, at o final de abril, reflitam com seus chefes de governo o que fazer de agora em diante.
Para muitos em Genebra, essa a crise mais profunda j vivida pela OMC. No porque a diferena de posio foi explicitada. Mas porque ningum sabe qual o caminho a ser tomado a partir de agora. Lamy insistiu aos governos que no tratem a atual crise apenas como mais um impasse na histria da OMC. Mas alerta que recomear do zero as negociaes tambm no seria a soluo.
Entre os governos, j h quem fale sobre a ideia de um enterro digno para a OMC. Um dos cenrios desenhados pelo Canad seria a de comear a programar um " desfecho organizado " para a Rodada, congelando o pacote e esperando por melhores momentos nos prximos anos. Algumas delegaes, porm, temem que nem isso consiga ser alvo de um acordo e o temor de que haja uma "aterrissagem descontrolada ".
Outros insistem que no se pode desistir de tudo, depois de dez anos de reunies. Politicamente, nenhum pas quer pagar o nus de declarar a morte da Rodada. Mas, por enquanto, a ordem de que todos voltem a suas capitais e pensem sobre o que fazer com a rodada comercial mais ambiciosa j lanada pela comunidade internacional. "Usem os prximos dias para refletir sobre nossa situao. Pensem sobre as consequncias de jogar fora dez anos de trabalho ", afirmou Lamy aos governos.
"Essa uma situao grave para a Rodada. Mas nossa realidade e precisamos encar-la", completou. Hoje, o pacote teria um impacto modesto na economia mundial. Mas abandonar o processo poderia, segundo muitos na OMC, ter um alto custo poltico para o sistema multilateral. Para Lamy, h ganhos econmicos e jogo. "Mas, acima de tudo, significaria que o esprito da cooperao global comercial ainda est vivo ", completou.
Matéria enviada por Tiago Avelino, estudante do curso de Comércio Exterior no Unifieo

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